Boaventura Monjane
Se alguém ainda nutria dúvidas de que a Frelimo nada aprendeu com a mais grave crise política desde o advento do multipartidarismo em Moçambique, a recente quarta sessão ordinária do comité central do partido dissipou-as de forma cabal. Mais do que um evento político, foi um espelho fiel da obstinação de um partido que, longe de qualquer introspecção autêntica, insiste em repetir os mesmos métodos, discursos e vícios que conduziram o país à situação actual.
As palavras de Daniel Chapo, seu presidente, soaram ocas e decorativas, como mandam os cânones da retórica partidária. Referiu a necessidade de introspecção, de autocrítica, de reconquistar a confiança do povo. Mas não passou disso: palavras. Nenhuma indicação concreta de ruptura com o passado, nenhuma proposta substancial de reforma interna ou de refundação política. A Frelimo mantém-se, como sempre, convencida do seu direito divino de governar o país segundo os seus próprios termos.
A verdade é que, apesar da juventude de Chapo, a Frelimo é um partido velho. Não apenas pelo peso das gerações que ainda o controlam nos bastidores, mas sobretudo por causa da sua matriz ideológica cristalizada, do seu modus operandi e da sua forma de fazer política. Não há renovação possível quando o pensamento e os métodos permanecem intactos. Chapo é apresentado como rosto novo, mas representa a continuidade mais profunda. É mudar o garrafão, mantendo o mesmo vinho.
A retórica contra a corrupção, por exemplo, já não engana ninguém. O povo ouviu promessas semelhantes de Nyusi e, ainda antes, de Armando Emílio Guebuza, nos tempos de bonança do chamado boom dos recursos naturais da sua época. A pobreza absoluta, longe de ter sido erradicada, agravou-se; a desigualdade aumentou; os serviços públicos deterioraram-se; e, a cada novo ciclo governativo, assistimos ao surgimento de novos ricos ligados a cada ciclo de governação e ao aparelho de Estado, uma oligarquia alimentada por corrupção, nepotismo, clientelismo e assalto deliberado ao erário público.
A única voz dissonante digna de registo na reunião foi, mais uma vez, a de Óscar Monteiro, figura histórica, mas hoje relegada ao papel de comentador interno. As suas críticas à emergência obscena de novas elites enriquecidas à custa do Estado são ignoradas, não porque careçam de validade, mas porque comprometem a estrutura de poder que sustenta o próprio partido. Monteiro fala, mas ninguém escuta.
Chapo, com o seu discurso linear e previsível, procura mostrar um rosto reformista. Mas os seus gestos, o vocabulário que adopta, os passos que dá e a composição do seu séquito revelam apenas a perpetuação de uma lógica centralista, autoritária e desprovida de visão transformadora. Aí está, a sua ascensão não resulta de mérito democrático interno, mas de uma engenharia partidária que visou apenas preservar os equilíbrios de poder dentro da máquina.
Talvez a única verdade proferida com alguma franqueza foi a admissão de que o povo está farto da Frelimo. O reconhecimento de que é necessário “recuperá-lo” é revelador. Não se trata, para o partido, de se colocar ao serviço da nação com humildade, mas de reconquistar um eleitorado que ameaça fugir-lhe completamente das mãos. A introspecção, anunciada com solenidade, torna-se então patética: é como um médico que identifica o problema do paciente, mas ignora a causa da doença e, pior ainda, prescreve o remédio errado.
A democracia moçambicana, se quiser ser mais do que uma encenação para agradar doadores e observadores externos, terá de ser arrancada pela força cívica do povo. Não pela violência, mas pela mobilização permanente, pela exigência intransigente de responsabilidade e pelo protesto sem concessões. O futuro democrático não poderá depender dos caprichos de um comité central ou de convenções partidárias herméticas. Terá de emergir da rua, dos sindicatos, das associações comunitárias, dos jovens, das mulheres, dos camponeses e dos trabalhadores precarizados.
O caminho será longo e difícil. As estruturas do poder estão solidamente entrincheiradas e dispõem de todos os instrumentos para conter, reprimir e cooptar a dissidência. Mas a história mostra que nenhum poder é eterno quando confrontado com a persistência de um povo mobilizado. A democracia, em Moçambique, terá de deixar de ser um ritual eleitoral quinquenal e tornar-se uma prática quotidiana de reivindicação, de vigilância e de participação.
A quarta sessão ordinária da Frelimo revelou, sem máscaras, um partido fechado sobre si mesmo, impermeável à mudança e insensível ao sofrimento do seu povo. A sua crise é não apenas política, mas moral e histórica. E se o povo moçambicano quiser um novo capítulo na sua história, terá de escrevê-lo ele mesmo, com coragem, com determinação e com a consciência de que já não pode esperar por messias nem por promessas vãs.
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Jornalista. Investigador associado no Institute for Poverty, Land and Agrarian Studies (PLAAS), University of the Western Cape. Membro co-fundador e Director Executivo da Alternactiva - Acção Pela Emancipação Social. boa.monjane@gmail.com

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